Equação do Calor e Soluções Separáveis
Enquanto que, como vimos nos capítulos anteriores, as equações parciais ordinárias podem frequentemente ser resolvidas,
o mesmo não se pode dizer sobre as Equações Diferenciais Parciais.
O estudo deste tipo de equações é uma das áreas em que a investigação matemática se mantém mais ativa ainda nos dias de hoje,
e muito pouco se sabe sobre estas equações.
Desta forma, apenas situações muito específicas e simples podem ser estudadas neste ramo.
As equações estudadas no fim desta cadeira coincidem assim com as EDP mais simples e clássicas.
Estas são a equação do calor, das ondas e de Laplace.
Nesta secção começamos com a equação do calor, que serve principalmente como introdução às séries de Fourier (o próprio Fourier usou as séries que hoje têm o seu nome para dar solução à equação do calor).
Equação do Calor
Recomendo vivamente a visualização do seguinte vídeo, e se possível, de todos os episódios sobre este tema.
Imaginemos que queremos modelar a evolução da temperatura numa barra 1-dimensional . Não é fácil definir uma função que descreve esta evolução de temperatura (balanço de energia térmica) ao longo do tempo . No entanto, é possível definirmos a variação da temperatura em função da variação da posição.
Equação do Calor
Considerando uma função , que representa a temperatura num certo ponto num instante . A evolução da temperatura é descrita pela seguinte equação diferencial parcial:
A explicação de como se chega a esta equação está bastante bem explicada no vídeo acima.
Podemos ainda estender esta definição a .
Para tal, podemos definir o Laplaciano de uma função como:
Assim, a equação do calor pode ser definida para dimensões superiores a 1 como
Propriedades da Equação do Calor
A Equação do Calor tem uma propriedade muito importante e que nos irá permitir chegar à Série de Fourier: a linearidade. Ou seja, se e são soluções da equação do calor, então também é uma solução.
Equação do calor como transformação linear
Note-se que podemos definir a transformação linear
que permite reescrever a equação do calor como o espaço nulo da transformação linear , implicando que as soluções da equação formam um espaço linear.
Sendo assim, encontrar uma base deste espaço é suficiente para descrever todas as soluções! Sim, mas calma... Aqui estamos a trabalhar com espaços lineares de dimensão infinita, pelo que as coisas não são assim tão simples. No entanto, como vamos ver, é possível oferecer uma base com uma quantidade contável de elementos para soluções da equação do calor.
Soluções de Equilíbrio
Se tivermos que , significa que a temperatura do volume em questão não
varia a cada instante, ou seja, estamos em situação de equilíbrio.
Então temos uma de duas situações, ambas em que a segunda derivada segundo , isto é, é nula:
Soluções Separáveis
Nota do Autor
O método descrito abaixo não é fácil e requer perícia a resolver equações diferenciais. Pode ser necessário ler várias vezes e acompanhar com exemplos para se perceber.
Para conseguirmos determinar soluções para a Equação do Calor, vamos aprender um novo método chamado Soluções Separáveis (ou Separação de Variáveis). Mais tarde iremos ver que este método também nos irá ser útil para outras equações, como a Equação das Ondas e a Equação de Laplace. Abaixo vamos apenas trabalhar com Equações do Calor.
O método consiste em considerar a seguinte simplificação do problema inicial:
a variação da função em relação ao tempo é independente da variação em relação à posição.
Assim, podemos expressar a nossa função como produto de duas funções (em que cada uma só depende de uma das variáveis):
Pegando então na equação do calor, vamos aplicar o método das soluções separáveis:
pode então ser escrito como
Para os dois membros da equação serem iguais, visto que um depende apenas de e outro apenas de , então têm necessariamente de ser funções constantes, daí igualamos ambos os membros a uma constante .
Daqui sai, para , a seguinte equação diferencial de primeira ordem linear homogénea
A constante irá ser irrelevante no futuro quando fizermos combinações lineares, desde que seja não nula.
Por outro lado, para , temos a seguinte equação diferencial de ordem superior,
O polinómio característico é
Pelo que, omitindo os cálculos intermédios,
Determinados e , basta fazer o seu produto para obter . No entanto, as soluções obtidas acima são muito generalizadas. Vamos também querer descobrir o valor de . Quando estamos a resolver um problema, vamos deparar-nos com condições fronteira, que nos vão restringir a apenas algumas soluções, e a ajudar-nos a descobrir .
Princípio da Sobreposição
Qualquer combinação linear de soluções de equações diferenciais lineares homogéneas
é também solução da equação e verifica as mesmas condições de fronteira.
Deste modo, podemos concluir o seguinte:
Definição
Nota
Este facto é tudo menos trivial. Na verdade, estamos a fazer um salto gigantesco de raciocínio. Ao fazer este salto estamos a assumir sem provar, por exemplo, que:
- a quantidade de soluções da equação linear homogénea é contável, e portanto podemos expressar a sua soma com uma série;
- mesmo assumindo o ponto anterior, não estamos a fazer qualquer verificação da correção da série apresentada, nomeadamente se converge ou não. No entanto, estas verificações são de um nível bastante superior ao que seria razoável neste resumo pelo que são omitidos.
Note-se que o próprio Fourier, quando descobriu as séries de Fourier não se preocupou em fazer estas verificações, que só viriam a ser feitas por outros matemáticos que lhe sucederam.
Condições Fronteira Periódicas
Imaginando agora um caso em que temos um fio circular de perímetro L. Como o fio é circular, o início e o fim do fio são o mesmo ponto. Estabelecemos assim uma fronteira periódica.
Então: e
Tomando então os resultados obtidos para na secção anterior, vamos determinar as soluções, caso existam, para cada valor de .
-
Se :
Como visto anteriormente, para temos que:
Descobrimos assim uma solução constante, .
-
Se :
Como visto anteriormente, para temos que:
Tanto como são impossíveis se , visto que para serem verdade, era necessário que .
Portanto, não existe nenhuma solução em que .
-
Se :
Como visto anteriormente, para temos que:
Se continuarmos a desenvolver esta expressão, podemos então determinar uma expressão para
Assumindo que é não nula (se fosse, a solução seria trivial), podemos agora juntar tudo o que calculámos.
Pegando na expressão não nula de , substituímos o valor de com o que acabámos de determinar. Fazemos o mesmo para .
Finalmente, fazemos os produtos entre as duas expressões.
Segundo o Princípio da Sobreposição, podemos escrever a nossa solução como a soma de várias soluções.
Então, resolver o problema da equação do calor passa a ser equivalente a perceber como expressar a condição inicial
como uma série de senos e cossenos:
Vamos ver como fazer isto mais à frente, na secção sobre a Série de Fourier.
Vejamos abaixo um exemplo que mostra como utilizar este método, passo a passo. Vamos utilizar uma equação de calor, embora seja possível aplicar este método a outras equações diferenciais parciais.
Exemplo
Queremos determinar uma solução para o problema
Para simplificar, vamos associar .
Vamos começar por separar as duas variáveis, definindo a função como o produto de duas funções e :
Aplicando o método descrito acima, substituímos na equação do enunciado:
Como podemos reparar, o lado esquerdo da igualdade acima apenas depende de , sendo que o lado direito apenas depende de . Então, a única forma de estes serem iguais é se ambos forem constantes. Então, dizemos que:
Podemos então resolver cada uma das equações, começando por determinar , que resulta da resolução de uma Equação Diferencial Ordinária Linear Homogénea:
Como podemos reparar aqui, conseguimos determinar facilmente a expressão de . No entanto, para já vamos ter de efetuar mais cálculos, visto que se trata de uma equação de segunda ordem.
Antes de mais, vamos analisar com mais atenção as condições fronteira, . Como podemos reparar, temos no enunciado do problema que a condição inicial é igual a uma função não nula. Por este motivo, sabemos que não é identicamente nula.
- Para : Como sabemos que não pode ser verdade, caso contrário a função seria identicamente nula, temos então que .
- Do mesmo modo, para : Sabemos que não pode ser verdade, temos então que .
Vamos então resolver a equação :
Esta é uma Equação Diferencial de Ordem Superior, pelo que vamos escrever o seu polinómio característico:
Temos então 3 casos distintos: , e .
-
Para :
Este é o caso mais simples. Ficamos com um polinómio característico , pelo que
Pegando agora nas condições fronteira, vamos concluir o seguinte:
Concluímos assim, que se , temos que . Tal não é verdade para a condição inicial que temos, visto que , que já vimos que não pode acontecer.
Assim, não existem soluções para . -
Para :
Sendo que temos com .
Um pequeno truque que podemos utilizar é fazer a mudança de variável , de forma a simplificar os cálculos. Ficamos assim com .Resolvendo agora a equação:
Pegando agora nas condições fronteira, vamos concluir o seguinte:
Caso não seja claro o porquê de , temos de notar que só poderia ser nulo caso , que não é o caso onde nos encontramos.
Concluímos assim, que se , temos que . Tal como já vimos para , isto não é verdade para a condição inicial que temos, visto que , que já vimos que não pode acontecer.
Assim, não existem soluções para . -
Para :
Chegamos ao último caso, e ao único onde vamos ter soluções.
Sendo que temos com .
Um pequeno truque que podemos utilizar é fazer a mudança de variável , de forma a simplificar os cálculos. Ficamos assim com .Resolvendo agora a equação:
Pegando agora nas condições fronteira, vamos concluir o seguinte:
Se isso vai implicar que e, como já vimos, isso não é solução.
Vamos então resolver a equação .Desfazendo agora a mudança de variável, ficamos com:
Substituindo na expressão de acima ficamos com
Substituindo agora em , ficamos com as duas expressões:
Finalmente, podemos voltar a juntar as duas expressões, pelo produto . Vamos usar uma nova constante para simplificar.
Podemos agora generalizar esta expressão pelo Princípio da Sobreposição.
Finalmente, vamos determinar a solução particular definida pela condição inicial.
Relembra-se que a condição inicial é , que
já se encontra na forma de Série de Fourier.
Caso não se encontrasse nesta forma, teríamos de a determinar.
Sendo assim, temos apenas de descobrir os valores de que resultam na condição inicial, que podemos fazer facilmente por intuição.
Pegando na primeira parcela da condição inicial, , vemos que .
Quanto à segunda parcela, , vemos que .
Então, descobrimos que é a seguinte sucessão:
Finalmente, obtemos assim a solução do problema!